Pelo progresso do setor
Um dos maiores especialistas em construção civil com madeira e sócio-diretor da Stamade, Guilherme Stamato falou com REFERÊNCIA INDUSTRIAL sobre seus trabalhos recentes, expectativas e avanços do setor em um segmento fortemente abalado pelos acontecimentos políticos dos últimos anos. Em meio a isso, projetou cenários e falou sobre o futuro, na entrevista que você lê a seguir.
Como surgiu a ideia para a criação da Stamade?
Enquanto eu fazia o Doutorado no LaMEM (Laboratório de Madeiras e de Estruturas de Madeira), no Departamento de Engenharia de Estruturas da USP de São Carlos, organizamos o Ebramem (Encontro Brasileiro em Madeiras e em Estruturas de Madeira) e verificamos com orgulho que no LaMEM já haviam mais de 100 mestres e mais de 40 doutores formados em aproximadamente 30 anos, mas me questionei quantos engenheiros desses estavam atuando na elaboração de projetos ou na execução de estruturas de madeira, ou seja, pondo em prática todo esse conhecimento. Praticamente nenhum engenheiro ou arquiteto estavam pondo em prática as tecnologias estudadas na Universidade. Sempre questionei isso e quando estava para concluir meu doutorado surgiu a oportunidade de desenvolver a produção de vigas I, com alma em OSB.
Tive oportunidade então de desenvolver e projetar as vigas I e com isso criei a Stamade. Em seguida, voltei para a carreira acadêmica, fazendo um Pós-Doutorado e ingressando na Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), no campus de Itapeva, onde fiquei como professor por cinco anos, período no qual a empresa ficou inativa. Em 2008, deixei a Unesp para me dedicar exclusivamente à Stamade, atendendo uma demanda crescente por projetos de estruturas de madeira. Assim, a Stamade ganhou força e presença no mercado, propiciando aos clientes a elaboração de projetos estruturais seguindo as normas técnicas Abnt (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e buscando otimização de custos. Apesar de comum para projetos de concreto e metálicas, esse foco de trabalho era e ainda é raro para projetos em madeira no Brasil.
O que a Stamade faz de diferente em seus projetos, em relação a outros empreendimentos da construção civil?
O principal diferencial da Stamade é que focamos exclusivamente no projeto ou no desenvolvimento de tecnologias para as estruturas de madeira. Não executamos as estruturas e portanto temos como foco nos nossos projetos buscar as melhores vantagens para o cliente, reduzindo o consumo de material e de mão de obra e atendendo todas as normas vigentes. O fato de existir uma empresa responsável pelo projeto e outra responsável pela execução geralmente resulta em obras mais bem resolvidas, sem vícios que podem ocorrer quando apenas uma empresa desenvolve o próprio projeto que irá executar. Na Stamade, temos como princípio reavaliar todos os projetos em função de sugestões dos executores, porém sempre analisando a consistência dessas sugestões em função da segurança da estrutura. Essa abertura de ouvir os executores, ao longo dos nossos mais de 10 anos de atuação intensa, também nos proporcionou uma grande amplitude do nosso repertório de soluções. Tendo em uma das mãos o embasamento técnico fundamentado nas normas brasileiras e estrangeiras e na outra um grande repertório de soluções, podemos oferecer aos clientes projetos muito mais seguros e ao mesmo tempo otimizando os custos da obra.
Hoje, como vê o mercado para a madeira no Brasil para os próximos anos?
Tenho acompanhado o desenvolvimento das estruturas de madeira no Brasil desde 1995, quando me graduei Engenheiro Civil e comecei meu mestrado em estruturas, em especial estruturas de madeira. Naquela época estruturas de madeira no brasil se resumia a treliças de madeira nativa para telhados e estruturas de madeira roliça com eucalipto tratado. Comecei meu mestrado estudando estruturas com compensado e cai logo nos estudos de construções em woodframe e construções industrializadas em madeira, mas era muito conflitante comparar o que eu via na bibliografia como fato em países como Estados Unidos, Austrália e Alemanha e o que tínhamos como realidade no Brasil. Já em 2008, quando passei a me dedicar exclusivamente ao mercado a demanda por telhados industrializados, utilizando madeira de reflorestamento já estava muito maior, com grandes condomínios horizontais, com centenas até milhares de casas, onde a redução do consumo de material e redução de prazo estimularam a industrialização na Construção Civil, abrindo espaço para telhados industrializados, construções industrializadas em woodframe e em Madeira Laminada Colada, e agora estamos vendo iniciativas em MLC (Madeira Laminada Colada Cruzada, ou CLT).
Que iniciativas destaca nos últimos anos?
Há 10 anos praticamente não existia construções em woodframe no Brasil. Em 2016 uma única empresa entregou 1500 unidades habitacionais construídas em woodframe. Analisando o crescimento da participação de mercado de construções residenciais em madeira em países da Europa, mesmo aquelas que não tem tradição em construção em madeira, vemos que na década de 1990 as residências em madeira representavam menos de 5% na maioria deles, alguns esse número era tão insignificante que não aparecia nas estatísticas. Hoje as construções em madeira são responsáveis por 15 a 35% das construções residenciais nesses mesmos países. Essa tendência tem sido alimentada pela constatação do ganho de desempenho energético dessas construções. Com a implantação da norma de desempenho NBR 15.575-2013, a busca por melhor desempenho nas edificações também tem favorecido as construções em woodfame no Brasil, apesar de pouco difundida como solução disponível no país. Seguindo o crescimento que já estamos observando no Brasil, mesmo nesse período de crise, somado à tendência mundial e a necessidade de atendimento aos critérios de desempenho no Brasil, temos a expectativa de que as construções em madeira apresente crescimento significativo no país nos próximos anos.
Como inserir no consciente coletivo a madeira como primeira opção para a construção civil, no cenário nacional?
Os brasileiros em geral não conhecem os bons exemplos de construção em madeira que temos no Brasil, ficando marcado na memória os maus exemplos que geralmente são de uso inadequado da madeira, sem a preocupação com a durabilidade e na maioria executada sem um projeto de um engenheiro. Acredito que a melhor forma de incluir as construções em madeira no repertório dos brasileiros é divulgar os bons exemplos, desde as construções que temos em madeira com 50, 60 até mais de 100 anos de idade e ainda em uso, até as novas construções aplicando tecnologias modernas de industrialização e arquiteturas mais ousadas. Com madeira estão sendo construídas desde casas do programa minha casa minha vida até mansões nos condomínios mais nobres do país. A divulgação dos usos da madeira, das belas obras executadas, das obras que mostram a durabilidade e dos resultados de desempenho podem contribuir muito para inserirmos o uso na madeira na cultura da construção brasileira.
A Stamade tem algum projeto inovador, em território nacional, utilizando a madeira como protagonista?
Sempre estamos desenvolvendo projetos ou soluções inovadoras junto com nossos clientes, seja em novos produtos ou na forma como as estruturas são produzidas. Nesse momento podemos citar projetos de edifícios multifamiliares de 4 andares como um avanço, já que já temos prédios de 3 andares projetados e já executados. Também participamos de estudos para viabilização de prédios mais altos, com Madeira Laminada Colada e Madeira Laminada Colada Cruzada. Um grande e motivante desafio para os próximos anos.
Que iniciativas destacaria como cruciais para o crescimento da madeira na construção civil?
Precisamos desenvolver a indústria de matéria prima, ou seja, de madeira, para atender às demandas necessárias para a construção Civil. Hoje temos um custo relativamente alto das estruturas industrializadas no Brasil porque a matéria prima ofertada não tem um bom padrão de seleção e de qualidade, o que exige nova seleção e um baixo aproveitamento, aumentando os custos. Na outra ponta, a divulgação das vantagens do uso da madeira, tanto para o cliente final, quanto para as construtoras e em última instância para a sociedade, em função do sequestro de carbono e do baixo consumo de energia na produção, para quebrar uma barreira cultural que só existe devido à falta de ação das empresas do setor madeireiro.
Quais os planos da empresa para os próximos anos?
Prevendo o crescimento do mercado de estruturas de madeira, estamos investindo em formação de engenheiros e arquitetos nosso escritório, bem como adquirindo mais licenças de softwares que aumentam a precisão e a velocidade de elaboração de projetos, como o Cadwork e o Rfem (Dlubal), que são os softwares mais utilizados no mundo para projetos de estruturas de madeira. Pretendemos nos manter como desenvolvedores de projetos e de tecnologia para estruturas de madeira, sempre de olho no que está em desenvolvimento no mundo, bem como atuar com entidades e parceiros para divulgar o uso da madeira na construção Civil
Sabe-se que o Brasil passa por um período de reestruturação econômica. Acha que existe oportunidade, nesse cenário, da madeira surgir como uma alternativa viável e menos custosa que outros materiais na construção civil?
Apesar desse período de crise econômica no Brasil, as construções em madeira continuaram seu processo de consolidação o mercado, tendo inclusive surgido novas empresas com foco na produção de Casas em woodframe e na produção de elementos estruturais em madeira tais como Madeira Laminada Colada, Madeira Laminada Cruzada, LVL (Laminated Veneer Lumber, painéis com lâminas finas coladas) entre outros. As restrições criadas pelos períodos de baixa atividade econômica levam à busca de mais eficiência das empresas. No caso da construção civil brasileira, que tradicionalmente tem muitos desperdícios e pouca eficiência, a busca por métodos construtivos mais industrializados se torna questão de sobrevivência das construtoras, pois a diferença entre lucro e prejuízo pode estar na redução do desperdício e na maior eficiência da mão de obra e dos equipamentos. Surge então o interesse pelos métodos construtivos industrializados em madeira, que unem a rapidez, redução de desperdício, otimização e ainda incorporam vantagens de uso de material renovável (madeira de reflorestamento) com baixo consumo de energia e sequestro de carbono, cada vez mais valorizados nas construções.
Entrevista da REFERÊNCIA INDUSTRIAL, edição 200.